Por Vinicius Valentin Raduan Miguel (*)
Padre Ezequiel Ramin, nascido em 1953 na cidade italiana de Pádua, é uma figura cuja vida se entrelaça com os fios da luta e do sacrifício.
Desde jovem, sentiu-se atraído pela missão de servir os marginalizados, um chamado que o levou a ingressar na Congregação dos Combonianos.
Com uma sólida formação em Teologia, sua alma inquieta, embora doce, não encontrou repouso nas zonas de conforto clerical.
Foi no Brasil, em meio às agruras dos camponeses e indígenas, que encontrou o cenário de sua luta mais árdua e de seu destino trágico.
Ao pisar em Rondônia, no início dos anos 1980, Ramin encontrou uma terra fervilhante de conflitos agrários.
A disparidade entre pequenos agricultores, indígenas e os latifundiários era abissal, exacerbada pela ganância daqueles que tentavam grilar mais terras e expulsar pequenos agricultores.
Inspirado pela Teologia da Libertação e pelos valores do Evangelho, Padre Ezequiel posicionou-se ao lado dos oprimidos: assumiu postura defendendo seus direitos e denunciando as injustiças.
Sua presença vigorosa conquistou rapidamente a confiança dos camponeses, mas também atraiu a ira dos que detinham o poder econômico.
Ramin não se limitava a sermões e homilias. O padre caminhava ao lado dos trabalhadores rurais, organizava comunidades e participava ativamente das manifestações.
Sua liderança carismática e sua inabalável fé na justiça social fizeram dele uma figura central na defesa dos trabalhadores.
Contudo, essa mesma atuação o tornou um alvo.
As ameaças não o dissuadiram. Ao contrário, reforçaram sua convicção de que sua missão era maior do que qualquer temor pessoal.
Em 24 de julho de 1985, o destino de Padre Ezequiel encontrou seu clímax trágico.
Após uma reunião com trabalhadores do campo, foi emboscado e covardemente assassinado.
Sua morte brutal foi um golpe para as comunidades que ele apoiava.
Desvelava o lado mais brutal e torpe da violência no campo em Rondônia.
O martírio de Ramin é lembrado como um dos marcos históricos das violações aos direitos humanos em Rondônia.
Ezequiel se tornou um ícone e um testemunho de coragem e sacrifício.
No entanto, há algo mais nas sombras da história de Padre Ezequiel Ramin, algo que ressoa como uma lenda de tempos passados, uma figura que atravessa o crepúsculo entre o heroísmo e o martírio.
Suas jornadas pelas florestas de Rondônia, sob o manto escuro da noite, lembram os contos de cruzadas solitárias contra forças invisíveis.
As ameaças que pairavam sobre ele, como nevoeiro denso, nunca o desviaram de seu caminho.
Ao contrário, pareciam solidificar sua determinação, um eco das lutas ancestrais pela justiça.
A descrição de sua morte, uma emboscada sob a penumbra do entardecer, carrega a aura de uma tragédia, onde o herói cai, mas não sem antes deixar um legado indelével.
O sangue de Padre Ezequiel, derramado na terra que ele tanto defendeu, é um símbolo vivo, quase místico, da luta que não conhece fim.
Como um cântico, uma balada que inspira e convoca à resistência.
Como um personagem das crônicas antigas, a figura de Padre Ezequiel permanece nas memórias daqueles que ainda lutam.
A cada injustiça enfrentada, a cada vitória conquistada, há um tributo silencioso a ele, um reconhecimento de que sua missão continua a viver nas ações daqueles que não se rendem.
Assim, ao olharmos para a vida de Padre Ezequiel Ramin, não vemos apenas um homem, mas um símbolo eterno de resistência.
Sua narrativa é entrelaçada com os contornos de uma saga épica, onde a coragem, o sacrifício e a luta pela justiça formam o cerne de uma história que, como todas as grandes histórias, transcende o tempo e o espaço.
Padre Ezequiel é um herói.
E como todos os heróis, Governos, mesmo ditos democráticos, por omissões e silenciamentos, tentam apagar seu legado.
Padre Ezequiel será inesquecível!
É a chaga aberta contra a impunidade na Amazônia.
(*) Vinicius Valentin Raduan Miguel é advogado e professor da Universidade Federal de Rondônia