@viniciocarrilhomartinez
Ester Dias da Silva Batista – licenciada em Biologia/UFSCar
Os tempos modernos, absolutamente pós-modernos, agudizaram inúmeros fatores da nossa trajetória e existência, e, por isso, preferimos chamar de Vida Social.
Um dos fenômenos mais antigos da história humana é a chamada Apropriação – inclusive há uma tipologia penal denominada de Apropriação Indébita, indevida, sem consentimento, sem pudores, como se fosse deste ou daquele o que não lhe pertence, pois, de modo simples e direto, aquilo é daquele e não deste.
Na cultura universitária, a Apropriação não se limita ao plágio, uma vez que, além do plágio, em si, há uma real transmutação dos significados, sentidos, signos originais.
O nazismo fez isso com a Suástica, retirando do seu lugar devido o signo basilar entre Brâmanes e Budistas e, assim, transmutou-o; quando antes significava vida, boa sorte, abundância, acabou ressignificada pelo Mal, e daí a Suástica (com a imagem meio invertida, distorcida) passou a destilar a morte, a dor e o sofrimento.
No sentido que apresentamos aqui, a Apropriação se define como “tomar para si”, no sentido oposto à Alienação – e que é “retirar de si”. Mas, o que vem a ser esse “tomar para si”? Basicamente, tomar para si, para nós, o que não é seu, nem meu, nem nosso.
Em momentos amplos da formação social brasileira, o Sincretismo religioso surgiu (surge) como dado ilustrativo: São Jorge e Ogum divisam a mesma divindade, por exemplo. O Sincretismo é tão ativista na nossa origem cultural que a própria miscigenação (somos um povo pardo) só é entendida em conjunto.
O Sincretismo não promoveu uma Apropriação, mas sim uma espécie de simbiose, uma troca viva que levaria a uma síntese cultural, retirando as influências culturais do seu lugar comum. A simbiose é um entrelaçamento sustentado pela coexistência contínua, pacífica, e que produz interdependência.
E, desse modo, o senso comum não se aplica aqui, afinal, não foi mera transposição ou corruptela de um por outro: Ogum e São Jorge continuam a ser quem eram e ainda são; todavia, no Brasil, um não existe sem o outro. Estão sedimentados em si, sem estarem ensimesmados (como estavam em suas origens).
Um caso clássico de Apropriação também se verificou com o Movimento Hippie, quando a produção artesanal – anticapitalista: individual, artística, voltada à subsistência e referenciando uma contracultura – foi subvertida, subsumida e monetizada na produção capitalista e em escala da Indústria de bijuterias. Ou seja, a produção artesanal, com a Aura presente em cada técnica, foi subvertida pela tecnologia marcante na lógica capitalista da mercadoria, agora na base do valor de troca e do valor de uso.
Assim, vemos no exemplo da cultura Hippie que a Apropriação não apenas desnaturalizou o evento, como ainda, profundamente, levou à sua deturpação, corrosão, disrupção.
Comparativamente, resta claro que o Sincretismo nada tem a ver com a famigerada Apropriação, quando um indivíduo, um grupo, uma instituição, um sistema, se apropriam e deturpam profundamente o significado originário do Outro. Na Apropriação não apenas se nega a origem, como se faz voltar contra essa mesma origem o resultado do que foi corrompido.
A apropriação parte da premissa (consciente ou não, e isso só importa para se estabelecer a culpa ou o dolo) de que tudo é oferta e demanda; logo, se o donatário não se identifica, nada está imune à falta de decoro, de Ética, tanto quanto tudo se subordina aos interesses da acumulação primitiva que há em cada ser social sem consciência de si e dos/as outros/as.




