O oprimido de hoje não pode ser o opressor de amanhã
Paulo Freire
Ao homem bom, basta a consciência
Juiz Oliver W. Holmes Jr.
Do lado de cá, nós também confundimos muitas situações incomparáveis, incompatíveis, coisas insensatas, especialmente quando a bílis se ocupa da razão, com a ideologia se ocupando da emoção e da consciência (agora esvaziada de rigor e de clareza).
Por exemplo, confundimos o Direito com a raiva. E assim cremos que as pessoas e a realidade devem ser idênticas ao que pensamos. É claro que aplicamos o nosso próprio mapa moralista – e aqui ainda tem outra confusão: Moral não é moralismo. Menos ainda se o moralismo for raivoso ou beneplácito, em anistia à má fé e ao crime confesso, ou apenas pudico.
Não é difícil conhecer uma pessoa enraivecida porque a pena lavrada no 11 de setembro foi “só” de 27 anos e porque o indivíduo apenado, em seis anos, teria direito ao regime semiaberto.
A ideologia chegou tão longe neste caso que a raiva é o cursor do seu próprio pensamento: “o senso comum tem no manancial emotivo (a raiva) o principal guia de sua forte concepção de análise crítica” (sic).
E assim, como se vê do outro lado, a pessoa punitivista, mas seletiva, se esquece da generalidade da lei. Frise-se, a raiva, a ideologia, o moralismo não podem ser a baliza da dosimetria da pena. A técnica é construída para isso.
Fora dessa quadra, não há Direito. Somente o desejo maculado pelo sentimento bastante primário de vingança.
A subsunção deve ser a mesma para todos. No popular: “A lei que bate em Chico, bate em Francisco”.
Ou seja, tanto o rígido rigor da lei quanto os seus benefícios devem ser os mesmos – para o lado de lá, para o lado de cá.
Como fato e fator social, a lei (salvo situações excepcionais) deve responder à exterioridade, anterioridade, generalidade, universalidade.
Tecnicamente, chama-se de Efeito erga omnes.
Não há uma lei (LEP) para o lado de lá e outra para o lado de cá.
Além do mais, confunde-se a lei com a interpretação, aplicação, dessa mesma lei.
Pois bem, em resposta ao histriônico 8 de janeiro de 2023, o irônico 11 de setembro de 2025 não promoveu vingança pública; ao contrário disso, houve sim uma parcela de efetivação de “Justiça Histórica”, em acerto de contas com nosso passado nebuloso e com vistas ao futuro.
É importante saber que no Estado Democrático de Direito a condição profilática, pedagógica e preventiva da pena se manifesta diante do Princípio Teleológico.
Além disso, as condenações do 11 de setembro (em resposta ao 8 de janeiro), é imperioso dizer isso, devem ser vistas como marco histórico, político, cultural, social. Porém, são atos jurídicos e judiciais, e não fosse por tudo mais, devem sinalizar a fundamental importância de se apartar a ideologia (as tais narrativas, o partidarismo, a seletividade) de qualquer fundamento dirigido à possível análise interpretativa dos fatos sociais.
Neste exemplo concreto, deve-se separar o Direito da raiva. Sobretudo para que se tenha consciência (“tomando-se ciência”) de que Ideologia e Ciência (também na Ciência do Direito) são termos excludentes, antitéticos, opostos.
O Direito não pode ser fruto e refém do materialismo embrutecido, do cinismo amargurado, do sectarismo, do ilusionismo, do negacionismo, e muito menos do dogmatismo indizível e insensível.
Vinício Carrilho Martinez