Por Ronald Pinto
A narrativa construída pelo governo de Jair Bolsonaro sempre foi a de um líder intransigente, um “mito” disposto a lutar até o fim contra o sistema. No entanto, uma análise crua dos fatos revela algo muito diferente: uma traição calculada contra os próprios seguidores que jurou defender, transformados em massa de manobra descartável de um projeto de poder fracassado.
O golpe estava marcado para 7 de setembro de 2021. A estratégia, audaciosa e autoritária, previa que, diante da exibição do poderio militar, Bolsonaro decretaria o fim do Supremo Tribunal Federal (STF) e das instituições democráticas. Para conter a previsível reação da sociedade, sua base no Congresso aprovou uma nova Lei Antiterrorismo, que substituía a antiga Lei de Segurança Nacional.
A peça-chave da duplicidade surgiu em 1º de setembro de 2021. Ao sancionar a lei, Bolsonaro vetou justamente os artigos que criminalizavam a desinformação em massa (fake news) e os ataques ao direito de manifestação. Por quê? A resposta é evidente: para garantir a sobrevivência do “Brasil Paralelo”, o ecossistema de mentiras que mantinha milhões de apoiadores fanatizados acreditando em uma guerra contra um “comunismo onipresente”. Ele não protegeu seus seguidores da desinformação; protegeu a própria desinformação que os mantinha sob seu controle.
Sem condições objetivas para o golpe naquela data, restou a Bolsonaro radicalizar na retórica. Diante de milhares na Avenida Paulista, declarou que não acataria “qualquer decisão” do ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha”. Era uma incitação explícita: convocava seus seguidores a fazerem o que ele mesmo não ousava fazer — confrontar o STF.
Derrotado nas eleições de 2022 por Lula, a narrativa de fraude já estava pronta para ser usada como combustível. A estratégia passou a ser forçar uma intervenção militar, a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), apresentada como a “cara legal” do golpe. A interpretação distorcida do Artigo142 da Constituição foi vendida aos apoiadores como certeza de que os militares estariam ao lado do “mito”.
Em 8 de janeiro de 2023, centenas de fanáticos, convencidos de que estavam “salvando o Brasil do comunismo”, invadiram e destruíram as sedes dos Três Poderes. Acreditavam piamente ser a vanguarda de um golpe de Estado apoiado por Bolsonaro e pelos militares.
A armadilha era perfeita: criar o caos para forçar Lula a decretar a GLO, entregando o comando aos generais. Alertado, Lula não caiu no ardil. A reação rápida do Ministério da Justiça, sob liderança de Flávio Dino e Ricardo Capelli, evitou a consumação do golpe e garantiu a prisão dos invasores.
Quando perceberam que a tentativa fracassara, os líderes bolsonaristas se esquivaram. Tentaram convencer os que não estavam em Brasília de que o quebra-quebra teria sido promovido pela esquerda. Sem êxito, passaram a pressionar por Anistia no Congresso, tentando mais uma vez usar seus seguidores como escudo para proteger os verdadeiros articuladores.
Então veio a traição final. Frente a frente com os juízes que antes haviam atacado e caluniado, os mesmos líderes que incitaram a multidão com promessas de vitória passaram a chamá-los de “malucos” e “baderneiros”. Bolsonaro e seus generais, em desespero, começaram a acusar uns aos outros, abandonando os brasileiros que manipularam.
A ironia mais cruel foi jurídica: os invasores passaram a ser processados com base na própria Lei Antiterrorismo sancionada por Bolsonaro em 1º de setembro de 2021. A ferramenta criada para perseguir opositores acabou usada contra seus seguidores. Muitos, percebendo que foram usados como peões, aceitaram delações. Outros, ainda presos à ilusão, recusaram-se a negociar, esperando uma Anistia que nunca passou de mais uma manobra para livrar os líderes.
A traição de Bolsonaro é um caso clássico de populismo autoritário: criar uma realidade paralela, alimentar ódio e paranoia, e depois abandonar os fiéis à própria sorte quando o plano fracassa. Seus vetos à lei de fake news, suas incitações e sua fuga da responsabilidade comprovam que seus apoiadores foram sempre instrumentos descartáveis.
Agora, na derrota, a tentativa de envolver figuras como Donald Trump para atacar o STF confirma que o projeto de desestabilização contínua. Mas os soldados dessa guerra imaginária — cidadãos comuns que acreditaram no “mito” — já foram sacrificados, deixados para trás nas celas, com suas vidas destruídas, enquanto seus líderes negam qualquer responsabilidade. A história registrará não apenas a tentativa de golpe, mas também a profunda covardia e traição contra aqueles que mais confiaram nele.