Apresentação do livro Educação e Sociedade, do professor Vinício Carrilho Martinez

Por Tainá Reis

Educação e Sociedade traz um debate profundo e rizomático. Na botânica, um rizoma é um caule subterrâneo que cresce horizontalmente, no qual nascem novas plantas a partir de múltiplas ramificações e em que diferentes pontos se conectam. No sentido de Deleuze e Guatarri (1995), trata-se de um modo de pensamento em rede com múltiplas conexões, se opondo às estruturas centralizadoras, hierárquicas e lineares. O debate rizomático que Vinício Carrilho Martinez faz neste livro se afasta de análises binárias, apresentando-nos conexões diversas para compreender a intrínseca relação entre a educação – como um fenômeno essencialmente político – e a sociedade.  Sendo assim, não podemos estabelecer um único fio condutor desta obra, mas um conjunto de interrelações que permitem ao leitor não só um aprendizado sobre o tema, mas também a sua própria emancipação.

Emancipação é um tema caro à presente publicação. Como sinalizado pelo autor, as páginas a seguir nasceram dentro de uma sala de aula. Ancorado na noção de Educação para a emancipação e em Paulo Freire, o conteúdo do livro ainda se alinha com a tese de titularidade do autor. Assim, a leitura representa o resultado de um acúmulo teórico do autor e coletivo. Com inspiração na tradição crítica freiriana, o que se propõe está longe de um manual de Sociologia da Educação, mas sim uma Sociologia Política da Educação, na qual a educação é instrumento de consciência e transformação. É essa a proposta que encontramos neste livro rizoma, no qual os “caules” elucidam as conexões entre questões como colonização, patriarcado, racismo, capitalismo, elementos estruturantes da sociedade brasileira que influem diretamente no acesso ao conhecimento e à liberdade.

Antes do início propriamente dito, o prólogo apresenta a máxima de que “toda tese em Direitos Humanos é uma antítese”. Tal colocação considera os Direitos Humanos como um processo de contestação e transformação social, dinâmico, e que, per se, está em oposição ao status quo e à opressão que o compõe. Desde aqui, o autor já traz o debate sobre emancipação como fenômeno social baseado na inteligência coletiva e na práxis transformadora. A inteligência social (não individualizada) é entendida como a capacidade de interação e construção coletiva do conhecimento. Assim, é o pilar central da consciência crítica e da superação da exclusão. Por fim, o prólogo traz o questionamento se estamos em uma crise moral e em um quadro de rebaixamento da consciência crítica. O leitor pode, ao passar das páginas, chegar à sua própria conclusão. Mas alerto, em consonância com Vinício Carrilho Martinez: a educação é uma chave para a construção de uma cidadania ativa e consciente.

O capítulo 1 se dedica à formulação da Sociologia Política da Emancipação, apresentando elaborações fundamentadas em A Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Como já anunciado, a emancipação é um processo coletivo de superação da opressão e demanda uma consciência crítica que rompa com o medo à liberdade. O autor destaca a diferenciação entre autonomia e emancipação; enquanto a primeira implica em criar regras para si, a segunda envolve uma tomada de consciência irreversível e uma luta contínua pela dignidade humana. É também por meio da ciência – crítica e comprometida com a transformação social – que se constrói uma práxis que articula reflexão e ação, de modo a rejeitar sectarismos e discursos reprodutivistas, e romper com as estruturas de exploração e desumanização. No capítulo vemos o esforço do autor em elucidar suas ideias de forma visual, o que se dá por meio do quadro Níveis de percepção da realidade.

O capítulo seguinte aborda a emancipação constitucional como um processo de expansão da consciência crítica e da luta contra a opressão, a partir do “Direito à consciência emancipadora”. A crítica à razão instrumental vem para elucidar que a consciência necessária para a emancipação prescinde de uma educação fundamentada nos direitos humanos e na ética; não é uma razão à serviço da subordinação e do embrutecimento, mas à serviço da descompressão social. Neste capítulo o autor apresenta um mapa mental sobre a consciência crítica da opressão e a consciência da consciência, demonstrando mais uma vez o objetivo de sintetizar a reflexão. É de se destacar o papel do Estado como ente que deve garantir a emancipação, promovendo, assim, uma sociedade mais justa e digna – assim como se prevê constitucionalmente. Isso pode se dar, aliás, por meio de uma educação pública e laica.

O capítulo três aprofunda a relação autonomia e emancipação, com uma crítica a que chamou de pensamento escravo-fascista. Esse pensamento que combina elementos do racismo, do patriarcado e da exploração do trabalho e mantém na contemporaneidade práticas de exploração e repressão, como o trabalho análogo à escravidão e a despolitização imposta pelo Fascismo. O autor propõe, então, que há uma conexão entre o passado escravista e as práticas de repressão atuais. Ainda neste capítulo, o autor reflete sobre a situação dos jovens na atualidade, pois, embora autônomos, são consumidos pela alienação digital e pela desinformação típicas do século XXI. Não há emancipação verdadeira, porque autonomia individual não garante emancipação social. Esta só se configura como tal em um processo coletivo que envolve a luta contra a opressão e a construção de uma sociedade mais justa. Nesse sentido, a Educação vista como um meio para resistir a essas formas de opressão e autoritarismo contemporâneas, promovendo a conscientização e a transformação social em busca de justiça, liberdade e igualdade.

O quarto e último capítulo discute a emancipação a partir da evolução do Estado de Direito Democrático e a soberania. Com uma retomada histórica que se inicia na origem do Estado e chega aos tempos atuais, o debate exposto parte da limitação do poder soberano no século XIII, passa pela criação do Estado de Direito e os marcos do pós-Segunda Guerra Mundial, até chegar aos desafios contemporâneos da soberania digital (globalização, a digitalização e o capitalismo de vigilância). O autor traz uma série de elementos para enfatizar a necessidade de uma práxis consciente para lidar com os avanços digitais e tecnológicos, na qual a reflexão deve ser convertida em ação.

O rizoma apresentado por Vinício Carrilho Martinez interconectou o passado-presente do pensamento escravo-fascista (racista, patriarcal) com a globalização acelerada, a uberização da vida, a inteligência artificial, a formação e ação do Estado, o neoliberalismo, entre tantos outros. Diante deste quadro (retomando os ditos do prólogo, será uma crise moral e rebaixamento da crítica?), a saída proposta é a educação emancipadora. Por assim ser, essa educação nada tem a ver com o atual modelo educacional “platamorfizado”, em que a educação é reduzida à mercadoria, descontextualizada e padronizada – uma crítica também tecida pelo autor no decorrer dos capítulos. A educação emancipadora é um direito fundamental, e é isso que este livro revela.

Boa leitura.

Tainá Reis Doutora em Sociologia UFSCar

Ref: Deleuze, Gilles; Guatarri, Felix. Introdução: Rizoma. In: Deleuze, Gilles; Guatarri, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 01. São Paulo: Editora 34, 1995.

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