Por Vinício Carrilho Martinez
Lucas Gama
Definitivamente, Bozo não é um mito!!!
Na mais inofensiva das possibilidades, Bozo é apenas sinônimo de anticlímax.
Bozo já foi um personagem circense; porém, coitado do personagem, nada tem a ver com esse mito caído que a extrema direta inventou (fazendo uso extensivo do chapéu de alumínio).
Pois bem, comecemos nosso argumento pelo resumo, e que também é a nossa conclusão:
- Fábula[1] é mentira (invenção) ou imaginação prolongada, mesmo que termine com uma mensagem moral.
- Mito é a busca de uma explicação racional para a sobrevivência coletiva.
Portanto, Bozo não é um mito. É a negação da ideia de mito.
Ao que seguimos com uma tentativa de explicação do porquê Bozo não ser mito nenhum, apenas uma mentira da “familícia brasileira”: que é próspera com o fanatismo e o oportunismo (sempre corrupto).
Vejamos um argumento racional contra a falácia:
- Nesse caso, no caso do mito, a origem de tudo é a racionalidade – de qualquer mito que preze seu pseudônimo.
Por exemplo, o mito (Mito do rio Estige, contado por Bacon)[2] figura como busca racional pela sobrevivência, sem que se utilize de demonstrações claramente racionais (caso da alegoria da caverna) e com apelo ao fantástico, uma unidade que pode estar forjada na mentira (o nazismo se apropriando do “Mito de Arminio”) ou no suposto mito do Bozo no Brasil: o mito caído do Bozo se locupleta não com o fantástico, mas sim com o fanático-fantasmagórico[3].
Além disso, o mito construído (coletivamente) sob uma realidade (a sobrevivência) nos permite concluir que “apenas sob efeito de alguma fábula grotesca” – desconexa do mundo real – alguém poderia pensar que “a extrema direita politizou as massas”.
Para sermos mais justos conceitualmente, a extrema direita não alimentou um mito, muito menos uma alegoria (sair da caverna em busca de conhecimentos – como é o caso do fundador Mito de Prometeu):
PROMETEU
Ouvi, porém, as desgraças dos mortais e como eles eram pueris antes de eu os tornar inteligentes e senhores da razão […] A princípio, quando viam, viam falsidades; quando ouviam, não entendiam; e, como as formas dos sonhos, misturavam tudo ao acaso, durante a longa existência; e não sabiam construir casas soalheiras de tijolo, nem sabiam trabalhar a madeira; viviam em antros subterrâneos, como as formigas ligeiras, nas profundidades sem sol das cavernas. E não tinham indício seguro do Inverno, nem da florida Primavera, nem do fecundo Verão; mas faziam tudo sem discernimento, até eu lhes ensinar o enigmático nascer e ocaso dos astros. Também descobri por eles os números, a principal das invenções engenhosas, e a combinação das letras, memória de tudo quanto existe, obreira mãe das musas. E fui o primeiro a por sob jugo os animais[4], submetendo-os ao cabresto ou aos corpos dos homens, para que sucedessem aos mortais nos trabalhos mais pesados, e atrelei aos carros cavalos dóceis, ordenamento de luxo excessivo. E nenhum outro senão eu inventou para os marinheiros os navios de asas de linho[5], que vogam pelo mar. E eu, que descobri tudo isto para os mortais — infeliz — não tenho maneira de me libertar do sofrimento presente
(Ésquilo, 2001, p. 54).
Prometeu nos deu a chave da compreensão do mundo, o conhecimento de tudo que era essencial à sobrevivência[6]. Todavia, em efetivo antagonismo ao Mito de Prometeu (em total exclusão epistemológica), a nossa extrema direita contou só uma historinha (conto de fábulas para crianças bem miúdas) em que o Banquete dos Deuses (a Política) não significa nada, zero à esquerda – literalmente.
Ou seja, a extrema direita contou uma historinha e o guru dormiu com ela, como um gurí animado.
O que ainda permite concluir: na vida adulta, séria, não acredite em fábulas, gurus, guris lacradores.
Pense nos bons mitos, deixe a letargia das mentiras – à esquerda e à direita.
Por isso, tanto a apropriação do Mito de Ermínio pelos nazistas (unidade e espaço vital) ou o “mito” criado pela extrema direita para o Bozo, sequer são fábulas (não tem cunho moral, só imoral). São falácias, mentiras grosserias.
Referências
BACON, Francis. A sabedoria dos antigos. São Paulo : Editora da UNESP, 2002.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro, Lexikon, 2010.
ÉSQUILO. Prometeu Agrilhoado. Lisboa: Edições 70, 2001.
KAFKA, Franz. Narrativas do Espólio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002b.
[1] “tipo de narração alegórica […] confabulação […] fabulista” (Cunha, 2010, p. 283 – grifo nosso). Como se vê em nossa história muito recente, é por demais óbvio que, Bozo não é fabuloso, é um fabulista, encantador de incautos e reféns da história da carochinha que os aprisiona em sua estultice.
[2] Assim nos relatava um dos mais brilhantes pensadores do Renascimento, Francis Bacon (1561-1626), citando Ifícrates quando este sintetizou os principais requisitos da independência e do equilíbrio de poder essenciais às relações entre o Poder Central e os Estados soberanos: “Uma só garantia entre nós, um só compromisso: provai que pusestes tanto em nossas mãos que não podereis prejudicar-nos ainda que o quiserdes”. De fato, quando os meios de lesar são removidos ou quando uma ruptura de tratado poria em risco a existência e a integridade do Estado e dos recursos, o pacto pode ser considerado ratificado, sancionado e confirmado como que pelo juramento do Estige: há então perigo de ser-se expelido dos banquetes dos deuses. Com esse nome os antigos significavam os direitos, prerrogativas, riqueza e felicidade do Estado” (Bacon, 2002, p. 30-31 – grifo nosso). Como se sabe, de cor e salteado, tudo o que Bozo não fez foi zelar pelo Poder Público.
[3] Em Kafka (2002) há uma metamorfose como sinal de fantasmagoria, como desfiguração da normalidade diante do entorno que o autor vivia (e de sua psique), como prenúncio do proto-fascismo, a marca clássica da Modernidade Tardia (o símbolo é Auschwitz). O mito caído do bozo nada fez, além de quebrar as instituições formais do Estado de Direito, como ausência de representação regular.
[4] A primeira indicação de animais domesticados foi encontrada em Jericó, na Palestina: cães, cabras e grandes felinos eram mantidos como animais de estimação. É até comum encontrar leopardos domésticos em pinturas egípcias antigas, mas o mais famoso era o gato.
[5] Devem ser as velas.
[6] Neste sentido, Prometeu aqui será considerado como a simbologia do Homo faber.