Em áudio gravado por Ramagem, Bolsonaro se desespera sobre investigação contra Wassef e “dessa empresa da mulher dele”. Cristina Boner, ex do advogado, faturou mais de R$ 86 milhões em contratos com a União na gestão do amigo e ostenta vida de luxo
No áudio da reunião em que trata com advogadas sobre a interferência da Agência Brasileira de Informação (Abin) na investigação sobre o sistema de corrupção de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) – as chamadas “rachadinhas” – Jair Bolsonaro (PL) mostra especial interesse na varredura que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, fez nas contas do advogado Frederick Wassef.
OUÇA O ÁUDIO: o grampo em que Bolsonaro interfere em investigação contra Flávio
O nome de Wassef é citado logo no primeiro minuto de conversa, quando a advogada Luciana Pires, que fazia a defesa do senador, diz ter recebido naquele 25 de agosto de 2020 a “atualização de um RIF [Relatório de Inteligência Financeira] do Frederick”. Bolsonaro reage com um misterioso “hum”.
Wassef volta a ser citado por Luciana aos 10 minutos de conversa que, dessa vez, fala em “pirâmide sobre a vida” do advogado e a relação com as investigações sobre Flávio Bolsonaro.
“O que o RIF do Fred está fazendo no PIC [processo de investigação criminal] do Flávio?”, indaga a advogada, para na sequência responder. “Se ele trabalhou, não trabalhou, lavou dinheiro. Não tem nada a ver com a investigação do Flávio, entendeu presidente”, emenda, sobre o advogado que serve ao clã, inclusive escondendo Fabrício Queiroz em seu sítio em Atibaia.
Pânico de Bolsonaro
Ao final da reunião, por volta de 35 minutos da gravação, Bolsonaro procura Luciana demonstrando certo desespero para saber mais detalhes da investigação sobre Wassef.
“Por que investigar o Frederico? Por que investigar o Frederico”, repete o ex-presidente.
Luciana, então, justifica dizendo que seria porque ele “é o advogado do Flávio”. Bolsonaro insiste na pergunta e ouve da advogada: “Porque, apareceu um RIF espontâneo com lavagem de Dinheiro”.
“Pagou médico para Queiroz. Qual o problema?”, emenda Luciana causando pânico em Bolsonaro.
“Fred pagou [inaudível] pagou como? DOC, Dinheiro. Pagou como?”, indaga o ex-presidente. “Transferência bancária do médico”, responde a advogada.
“Aí o que que acontece? Apareceu no RIF transferência do médico”, diz Luciana. “E, eles falam, que isso é uma movimentação atípica e começam a varrer a vida dele, que ele recebeu quatorze milhões”, emenda.
Bolsonaro, então traz à tona, uma personagem que enriqueceu e ostenta vida de luxo após firmar contratos de “suporte técnico de computadores” com o governo federal, turbinados na gestão do ex-presidente.
“Dessa empresa da mulher dele”, diz Bolsonaro, referindo-se a Maria Cristina Boner Leo, ex-esposa de Wassef, que desde 2011 acumula R$ 258,4 milhões de faturamento em contratos somente com o governo federal.
Na sequência da conversa, Luciana Pires explica a Bolsonaro que Wassef “trouxe dinheiro dos Estados Unidos, [inaudível], tem que transferir, que a conta dele tá tudo lá”.
Bolsonaro complementa [inaudível] “há anos” e segue com certo alívio: “não é comigo”.
“Inclusive [inaudível], do meu governo, caiu a, o contrato do governo. Devia aumentar, né?”, emenda Bolsonaro, pedindo a anuência de Augusto Heleno possivelmente sobre os contratos da empresa de Cristina com a União. “É lógico, lógico”, responde o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Contratos milionários e vida de luxo
Casada com Frederick Wassef entre 2008 e 2017, Maria Cristina Boner Léo começou a construir seu império quando ainda era casada com o advogado, que a auxiliara a entrar em esquemas nos governos Aécio Neves (PSDB), em Minas Gerais, onde teria faturado R$ 310 milhões, e Sérgio Cabaral, no Rio, onde teria embolsado R$ 130 milhões – veja denúncias na Agência SportLight, de Lúcio Castro.
Os valores, no entanto, seriam prenúncio do faturamento que a empresária, que ostenta vida de luxo em viagens ao mundo nas redes, teria a partir de 2011, quando firmou o primeiro contrato da nova empresa, a GlobalWeb Outsourcing do Brasil – que nasceu a partir da fusão do Grupo TBA, de sua propriedade, com Benner Sistemas – com o governo federal.
Os contratos foram turbinados a partir do governo golpista de Michel Temer e chegaram ao pico durante o governo Jair Bolsonaro (PL), a quem Wassef admirava e passou a construir uma relação de amizade e consultoria jurídica a partir de 2014 – quando defendeu o então deputado nos ataques misóginos contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
Em 2018, Wassef se tornou homem de confiança de Bolsonaro, atuando na defesa dos filhos também. Com a eleição do amigo, a empresa da agora ex foi turbinada e teve que fazer uma manobra para burlar a decisão judicial, de junho de 2019, que proibiu a GlobalWeb de contratar com o Poder Público ou receber benefícios pelo período de três anos.
Milhões
Impedida de fazer contratos com o poder público, a matriz da GlobalWeb Outsourcing do Brasil assinou apenas um contrato com o governo Bolsonaro, em janeiro de 2021, no valor de R$ 3.508.018,80, junto ao Ministério das Comunicações.
No entanto, Cristina Boner turbinou os ganhos de duas filiais, que levam o mesmo nome da matriz e atuam apenas com CNPJs diferentes, driblando a punição da Justiça. No total, em quatro anos de governo Bolsonaro, a empresa da ex de Wassef embolsou R$ 86,1 milhões em contratos com a União.
Fundada em 2013, a primeira filial – com CNPJ terminado xxx.013/0002-45 – recebeu R$ 3.142.788,02 em 15 contratos firmados com órgãos do governo federal entre agosto de 2021 e novembro de 2022, segundo o portal da Transparência. Em todos eles não há informação sobre a localidade de aplicação do recurso – ou seja, onde o dinheiro foi gasto.
O maior faturamento, no entanto, foi acumulado pela segundo filial – CNPJ terminado xxx.013/0003-26 – com sede na sala 716 do Brasília Shopping, que foi aberta em 13 de junho de 2018.
No total, a empresa da ex de Wassef recebeu R$ 79.556.758,71 em 9 contratos com órgãos da União, que ainda estão sendo pagos pelo atual governo.
O último contrato foi assinado em 31 de março de 2022 com a Agência Espacial Brasileira, que fica sob a tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, pasta que era comandada pelo “astronauta” Marcos Pontes (PL-SP), atual senador.
Com vigência até março de 2025, o contrato prevê o pagamento de R$ 1.725.256,08.
Modus operandi
Segundo informações obtidas pela Fórum, além de contar com a intimidade de Jair Bolsonaro, então presidente, a GlobalWeb Outsourcing do Brasil cresceu cooptando servidores responsáveis por editais de licitações na área de tecnologia.
Fornecedora exclusiva da Microsoft no Brasil, a TBA – empresa que antecedeu a GlobalWeb -mantinha um esquema de cooptação para que as licitações exigissem que as máquinas usassem o sistema operacional Windows. Além disso, ofereciam aos servidores “capacitação”, totalmente custeadas pela empresa, entre outras benesses.
Separada de Wassef, mas ainda mantendo relações com o ex-marido – que teriam recebido os R$ 14 milhões citados por Bolsonaro na reunião no Planalto -, Cristina Bonner agora se ocupa em ostentar a vida de luxo e o novo romance com fotos nas redes sociais.
Com viagens frequentes à Europa, ela compartilha “hábitos das mulheres bem sucedidas” no Instagram, entre publicações com roupas de grife e em lugares paradisíacos.
No Brasil, o passado da empresária e os milionários frutos do casamento com Wassef seguem causando pânico e preocupação no clã Bolsonaro.
Além da relação “pouco republicanas” com o advogado, Bolsonaro teme ainda que a investigação da Polícia Federal em parceria com o FBI descubra um suposto esquema de compra e ocultação de imóveis nos EUA, onde Wassef teria comprado ao menos 20 casas e apartamentos na Flórida e Nova Jersey em nome de terceiros.
Fonte: Revista Fórum