sexta-feira, dezembro 19, 2025
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Nita Freire na UFSCar

@viniciocarrilhomartinez

Em evento conjunto, o canal do Youtube A ciência da CF88 (https://www.youtube.com/c/ACi%C3%AAnciadaCF88) e o Núcleo de Formação de Professores (NFP) recebem a ilustre presença de Nita Freire. Pedagoga, professora, escritora, Nita Freire conviveu com Paulo Freire por muitos anos. Doutora em Educação, seguiu a mesma trajetória de luta pela Educação, proposta pelo nosso Patrono da Educação. O evento ocorrerá amanhã, dia 19 de dezembro, a partir das 18h30, neste link: https://www.youtube.com/watch?v=tzBoWZhlB5g.

Como saudação particular à nossa ilustre visita e aos organizadores do evento, trago aqui uma parte da introdução do meu último livro[1], e que conta com a inspiração sempre humanizadora de Paulo Freire.

 

Emancipação

É este o sentido mais geral de uma Educação para além da exceção, a fim de que também rompa os horizontes de que a regra na dinâmica capitalista (exploração e concentração) possa sim, em algum momento, ser a exceção na condição de vida de milhões de brasileiros e brasileiras. Isto, de certa forma ainda recupera o que Walter Benjamin denominaria de verdadeiro estado de exceção, ou seja, que a regra da exceção (subordinação) fosse dirigida contra os meios, grupos e pessoas que hoje subjugam a imensa maioria. Ao invés de um Estado opressor movendo-se pelos escaninhos das exceções do capital, que o Poder Político seja dirigido contra os algozes e opressores – com toda força dos meios de exceção (opressão) disponíveis.

A decodificação leva a uma descodificação, logo, a uma autodescrição crítica (interessante pensar que cabe aqui uma autocrítica do sujeito, e não só crítica do objeto) e isto desemboca na ressignificação que, por sua vez, incorre e influi no “fazer-se política” e gradativamente no “fazer-se em política”. Seria uma forma de descrição do “pensar a si” (“consciência em si”), também como julgamento do mundo, numa consciência primária da relação sujeito/objeto. Com o distanciamento é possível “reexistenciar-se” criticamente: “…resumido por uma mulher simples do povo … “Gosto de discutir sobre isso porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, observo como ‘vivo”.

Portanto, a pedagogia (educação) é antropologia; quando é humanista reúne um logos para o humano. Essa auto-instauração conquista a forma humana e é assim que o educando conhece a dignidade das palavras escritas, principalmente trabalho, educação, política, sociedade. A autoeducação, então, é uma autodesnaturalização (notadamente, a “naturalizada” opressão de classes) e é essa consciência que será a base de uma Educação do além-limite: uma provocação às próprias limitações “naturalizadas” da sociedade de classes.

Não deixa de ser uma “dialética da práxis”, que objetiva a política ou redefine com a entrada de muitos jogadores novos. Assim como as convocações tem, por definição, ação com vocações, as provocações terão pró-vocações. Isto é parte ativa do autoconhecimento, seguida do autodesvelamento, e, de forma crítica, imposição de um outro autorreconhecimento – ao “fazer-se em política”.

Por isso, a educação congrega uma Antropologia Política, por essência, e mais ainda será se pensarmos na colaboração, na autodeclaração e automanifestação política, como co-elaboração, (co)elaborando-se mutuamente. É assim que entendemos que “o humano, humaniza-se”; dizendo a política, está dizendo-se por meio da política, ao mesmo tempo em que é atravessado pela política: “fazendo-se por meio e através da política” (para o bem e para o mal). É essa a consciência da política, do meio e de si, da política enquanto meio e relação inerente, que também se desenvolve em Direito à consciência[2] – numa filosofia política do direito fundamental à humanização.

“Tomar a palavra” – trabalho, educação, política, sociedade – é dizer-se, afirmar-se, dignamente ao mundo; pois são essas as palavras da própria condição humana. Portanto, e por fim, isto é envolver-se diretamente, criticamente, na filosofia, na sociologia e na antropologia política que se entrelaçam à Pedagogia do Oprimido, enquanto Educação política que faz interfaces com a Educação para além do capital (educação para além-limites) – uma Pedagogia do Oprimido como educação para além dos limites do capital.

Também é neste sentido que a educação para a civilidade, por certo, não permitiria que se “rezasse por uma intervenção sideral, com celulares no alto da cabeça apontando-se a luz para o céu”, nem que se cantasse o hino nacional saudando em continência um pneu.

Assim, definido o escopo do objeto, como certa revisão da vida acadêmica, não ocorre em demasia reforçarmos que esta proposição de uma Educação para além da exceção ainda se recobre de uma educação iluminista (Aufklärung)[3], contra o antissemitismo (após Auschwitz[4]) e contra o “sionismo de Estado”[5] (depois de Gaza), no sentido de que sempre será uma luta política (como proposta de educação política não-neutralizada pelo sectarismo ou neoliberalismo[6]), pela afirmação dos direitos humanos fundamentais (Carta Política de 1988[7]) e, por óbvio, como leitura crítica dos limites de qualquer proposição que não se aventura para uma educação para além do capital[8]. Afinal, trata-se de uma Luta pelo Direito fortemente imbuída e marcada (delimitada) pela luta política, em meio à luta de classes.

 

[1] MARTINEZ, Vinício Carrilho. *Educação para além da exceção*: Educação para além do capital, Educação após Auschwitz, e depois de Gaza, Educação Política, Educação em direitos humanos, Educação Constitucional. KDP – Amazon: São Carlos, 2025c. Acesso: https://a.co/d/3upl65K.

[2] Do Direito à consciência como desembrutecimento do mundo: MARTINEZ, Vinício Carrilho. O direito à consciência. JusBrasil, [S.l.], 2020c. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80577/o-direito-a-consciencia. Acesso em: 19 jan. 2024.

[3] Já desenvolvemos esta perspectiva, do direito à educação pelo esclarecimento. Com aportes na Constituição Federal de 1988 também designamos este sentido como Direito à Consciência.

[4] Abordamos este aspecto específico enquanto “educação antifascista”, no último capítulo desta publicação em livro: BEZERRA NETO, Luiz; OLIVEIRA, Elane Rodrigues de. Marxismo e Educação: contribuições para a discussão sobre o papel do Estado numa concepção marxiana. São Carlos: Pedro & João Editores, 2022, p 163-196. Disponível em: https://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/livros-gepec/ebook-marxismo-e-educacao.pdf. Acesso em: 2 jan. 2024.

[5] Numa interpretação relativamente livre ou diferenciada, tomamos pelo termo sionismo de Estado não o Estado de Israel – até porque não defendemos sua supressão -, mas sim uma concepção ou ideologia muito mais ao estilo colonizadora, imperialista que se apresenta como hegemônica e pronta a expandir os territórios e confrontar diretamente a possibilidade de se efetivar a criação do Estado da Palestina: certamente, nem todos os sionistas (mesmo os que se filiam à construção/preservação da identidade nacional) são defensores da visão/ação radical e genocida praticada pelo Estado de Israel, como visto contra Gaza. Portanto, por sionismo de Estado entendemos que se trata de uma posição política assumida em razão do controle do Estado para fins de confrontação/negação da afirmação do Estado da Palestina. Por outro lado, há uma perspectiva histórica que associa o sionismo com os regimes nazifascistas: GOULÃO, José. Os laços do sionismo com o nazifascismo. PCB – Partido Comunista Brasileiro, Brasília, 2024. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/31533. Acesso em: 6 abr. 2024.

[6] Há muitas leituras possíveis e entendimento do que se presumir enquanto educação para além do capital (especialmente no recorte com o neoliberalismo) e pela descompressão (MARTINEZ, Vinício Carrilho. Ensaio sobre o estado democrático de direito social: concepção jurídica burguesa ou socialismo na modernidade tardia? São Carlos: Pedro & João Editores, 2024b. Disponível em: https://pedroejoaoeditores.com.br/produto/ensaio-sobre-o-estado-democratico-de-direito-social-concepcao-juridica-burguesa-ou-socialismo-na-modernidade-tardia/. Acesso em: 30 abr. 2025.): SACRAMENTO, Leonardo. A proposta educacional do capital. A Terra é Redonda, [S.l.], 2024. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/a-proposta-educacional-do-capital/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-06-02. Acesso em: 2 jun. 2024.

[7] Além de uma definição do que entendemos pelo conceito de Carta Política (MARTINEZ, Vinício Carrilho. Ao professor das professoras e dos professores. In: SOUSA, Cidoval Morais de (coord.). Cartas a Paulo Freire: escritas por quem ousa esperançar. Campina Grande: EDUEPB, 2021a.), a questão nos leva a intuir pela necessidade de urgência em se propor seriamente uma Educação Constitucional.

[8] Uma leitura inicial pode ser encontrada em publicação de livro anterior, mas que se complementaria com este capítulo – no sentido de ser agora mais aprofundada e sopesada por outros parâmetros: (Bezerra Neto; Oliveira, op. cit.).

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