quarta-feira, outubro 29, 2025
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Megaoperação com mais de 60 mortos no RJ revela insistência em modelo ineficiente de segurança; ação vitimiza população e policiais sem desarticular de forma sustentável as organizações

A operação policial realizada nesta terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, já é considerada a mais letal da história do estado, com 64 mortos, incluindo quatro agentes de segurança. A ação, batizada de Operação Contenção, envolveu cerca de 2,5 mil agentes das polícias Civil e Militar, com o objetivo de cumprir mais de cem mandados de prisão contra traficantes ligados ao Comando Vermelho (CV).

Segundo o governo, durante os confrontos, suspeitos teriam reagido com tiros, barricadas em chamas e o uso de drones para lançar explosivos. Colunas de fumaça foram vistas de diversos pontos da cidade em imagens divulgadas na internet. O número de mortos supera as vítimas das operações anteriores mais sangrentas do Rio: a do Jacarezinho, em maio de 2021, com 28 mortos, e a da Vila Cruzeiro, em maio de 2022, que resultou em 24 óbitos.

De acordo com o balanço parcial, até o momento 64 suspeitos foram mortos, incluindo três de outros estados (Bahia e Espírito Santo), e quatro agentes de segurança, dois policiais civis e dois militares. Um delegado permanece em estado gravíssimo. Além disso, de acordo com a ONG Voz das Comunidades, três civis foram feridos por balas perdidas: um homem em situação de rua, uma mulher em uma academia e um trabalhador de um ferro-velho.

Em publicação nas redes sociais, moradores do complexos da Penha e Alemão divulgaram imagens da destruição de casas. No Complexo da Penha, 17 escolas tiveram as aulas interrompidas. No Alemão, 28 escolas foram impactadas pela operação.

Moradores relataram abordagens violentas durante a operação. De acordo com publicação da página “A voz das Comunidades” violações de direitos seguem causando medo e revolta dos moradores.

Policiais também realizaram 81 prisões até o momento, com cinco detidos sendo feridos e internados sob custódia no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha. As apreensões incluem 31 fuzis, duas pistolas e nove motocicletas.

Durante operação policial, o Comando Vermelho ordenou o fechamento de comércio e usou lixeiras incendiadas para bloquear as vias | Fernando Frazão/Agência Brasil

Crítica a Lula e STF

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), usou a operação desta terça-feira para criticar tanto o governo federal quanto o Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista, Castro afirmou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou três pedidos de ajuda das Forças Armadas em operações anteriores no estado, incluindo a requisição de blindados para combater o tráfico de drogas nos morros cariocas.

“Não temos auxílio nem de blindados nem de nenhum agente das forças federais, nem de segurança nem de defesa. É o Rio de Janeiro completamente sozinho nessa operação e estamos fazendo a maior operação da história do Rio de Janeiro”, afirmou o governador.

Castro também criticou duramente a Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 635, mais conhecida como “ADPF das Favelas”, na qual o STF restringiu, desde a pandemia, as operações policiais nas comunidades, autorizando-as apenas em casos urgentes. Segundo o governador, essa medida tem facilitado a ação de traficantes de outros estados, que teriam se deslocado para o Rio aproveitando-se da limitação imposta pela Corte.

A “ADPF das Favelas” foi classificada por Castro como uma herança “maldita”, e ele acusou o STF de criar um ambiente que favorece a criminalidade. “São filhotes da ADPF. A realidade que vemos agora é fruto dessa decisão do Supremo”, afirmou o governador.

Castro concluiu suas declarações destacando que a Operação Contenção foi fundamental para enfrentar os grandes traficantes e suas barricadas, após cinco anos de dificuldades impostas pela decisão do STF.

Ele também criticou a ausência de apoio das forças de segurança federais e do Ministério da Defesa, ressaltando que, mesmo sem ajuda, as forças de segurança do Rio continuam realizando operações.

Em  nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que “tem atendido, prontamente, a todos os pedidos do Governo do Estado do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional no Estado, em apoio aos órgãos de segurança pública federal e estadual”.

Em coletiva de imprensa, o ministro Ricardo Lewandowski disse que não recebeu pedido de auxílio para a operação desta terça-feira e se colocou à disposição do estado do Rio para colaborar com a coibição do crime organizado.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), afirmou que o município “não vai ficar refém de grupos criminosos que buscam espalhar medo pelas ruas da cidade”.

Ele disse que todos os órgãos municipais foram orientados a manter o funcionamento normal das atividades e que devem prestar assistência à população em caso de necessidades até o fim do expediente.

Paes disse ainda que permanece no Centro de Operações acompanhando as medidas de segurança e que a prefeitura continuará agindo “com autoridade, com comando e com firmeza”.

Nota do Instituto Sou da Paz

Ação vitimiza população e policiais sem desarticular de forma sustentável as organizações criminosas

O Instituto Sou da Paz lamenta e repudia a megaoperação policial realizada no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, uma tragédia sob todos os enfoques. Até o momento, soma-se mais de 64 pessoas mortas, dentre elas quatro policiais, o que faz com que essa seja a operação mais violenta da história recente. Sabemos que a situação no Rio de Janeiro é extremamente complexa e um desafio enorme para as instituições de segurança pública, mas enfrentar o crime organizado com operações de ocupação massiva nas suas áreas de domínio territorial não tem trazido resultados sustentáveis, sendo  uma lógica ineficiente e comprovadamente letal para a população.

Esse tipo de estratégia não ataca os elos centrais do crime organizado, não rompe as rotas do tráfico de drogas para países europeus, não desmonta seus mecanismos de lavagem de dinheiro ou de abastecimento de armas. Além disso, gera um acirrado fogo cruzado em áreas densamente habitadas, colocando em risco direto a vida de centenas de milhares de pessoas, em especial da população de baixa renda e predominantemente negra.

Sabemos que o domínio territorial do crime organizado é inaceitável, que ele também violenta as populações dessas regiões e que são brutais as imagens do seu poderio bélico. No entanto, precisamos de estratégias do poder público compatíveis com os deveres estatais de proteção da sua população e de suas polícias e de respeito aos direitos fundamentais. Não é possível endossar uma política de atuação bélica cujo resultado é a morte de mais de 60 pessoas. O Brasil não está em guerra e aqui não existe pena de morte.

O Instituto Sou da Paz tem reforçado a necessidade de robustecer a prevenção e o enfrentamento qualificado do tráfico de armas que alimenta o potencial ofensivo do crime. Esse poderio bélico, com armas de uso militar e drones lança-granadas, mostra a gravidade da situação, mas não são novidades. Operações como esta demonstram os resultados tangíveis de anos em que essa temática não foi priorizada. É urgente reconhecer a centralidade do tema e investir em equipes especializadas no âmbito federal e estadual para lidar com esse desafios, com análises de dados e integração para desarticular as rotas de tráfico de produção ilegal de armas.

Além dos parâmetros legais gerais, a ADPF 635 trouxe parâmetros específicos para a preparação e a mitigação de riscos de operações policiais em territórios como esses. É necessário que haja uma apuração rigorosa com a devida participação do Ministério Público e de outras entidades para identificar responsabilidades individuais e coletivas diante dos resultados desastrosos desta operação. A mentalidade bélica que está sendo recorrentemente empregada no Rio de Janeiro, inclusive com ressurgimento de gratificações por “bravura”, é ineficiente e é uma agressão contra toda a população desses territórios e contra os policiais colocados nessa linha de frente. O enfrentamento real do crime organizado e do domínio territorial ilegal depende muito mais de investigações profundas e do planejamento de operações focadas do que de tiroteios massivos.

Instituto Sou da Paz

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