O que não se vende, da gente pobre, é o fio de esperança
Por Vinício Carrilho Martinez
Para Carolina de Jesus não se expurga a fome, a angústia de ver os filhos passando todas as necessidades. Porém, mesmo naquele quarto despejado, e jamais desejado, não se vende e nem se perde a alegria de estar viva.
Ali, um dia de fome é assim – e traz uma conta muito dura:
- “Fiz a comida. Achei bonito a gordura frigindo na panela. Que espetáculo deslumbrante! As crianças sorrindo vendo a comida ferver. Ainda mais quando é arroz e feijão, é um dia de festa para eles.
- Vejam só. Até o feijão nos esqueceu. Não está ao alcance dos infelizes que estão no quarto de despejo. Quem não nos desprezou foi o fubá. Mas as crianças não gostam de fubá.
- O céu é belo, digno de contemplar porque as nuvens vagueiam e formam paisagens deslumbrantes. As brisas suaves perpassam conduzindo os perfumes das flores. E o astro rei sempre pontual para despontar-se e recluir-se. As aves percorrem o espaço demonstrando contentamento. A noite surgem as estrelas cintilantes para adornar o céu azul. Há várias coisas belas no mundo que não é possível descrever. Só uma coisa nos entristece: os preços, quando vamos fazer compras. Ofusca todas as belezas que existe.
- A Thereza irmã da Meyri bebeu soda…Tem dois filhos, um de 4 anos e outro de 9 meses”[1].
Quando se lê isso com o coração na boca, o que não se vende é o lugar do Outro, da Outra. É o sentimento comum a quem consegue ver as pessoas comuns, aquelas que comumente passam pelas piores necessidades da vida.
[1] CAROLINA Maria de Jesus. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014, p. 43.