sexta-feira, agosto 15, 2025
spot_img

A santa indústria da fé e os brinquedos de gente grande

O Brasil não tem fundo. O que parece o poço é só uma ilusão conveniente: um buraco que se estende, que se renova, que nunca nos permite descansar. Cada vez que um cidadão acredita ter alcançado o limite do absurdo, uma nova camada de degradação emerge. O sistema reinventa seu próprio pesadelo e vende como esperança.

No alto de um púlpito improvisado, Miguel Oliveira, 15 anos, rasga exames médicos enquanto promete curas miraculosas. A multidão chora, grita, joga dinheiro aos seus pés como se ele fosse um deus recém-descoberto. O Pix da fé nunca falha. Todos sabemos que dinheiro não traz felicidade, mas no Brasil ele pelo menos promete curar leucemia, com um marketing agressivo e o tom certo de desespero.

A menina com seu bebê reborn observa de longe. Segura nos braços uma criança de mentira, enquanto as de verdade passam fome nas ruas. No país do faz-de-conta, o plástico tem mais valor que carne e osso, porque não dá trabalho, não exige direitos, não incomoda. O capitalismo, implacável, inventou uma maternidade perfeita: sem necessidades, sem reclamações, apenas consumo. Quem precisa de um filho quando se pode comprar um brinquedo com peso realista e cheiro de recém-nascido?

Mas há algo ainda mais profundo do que esse teatro grotesco: a dissonância cognitiva coletiva. O mesmo cidadão que condena pobres por dependerem do Estado é aquele que entrega seu salário para um pastor prometendo prosperidade. O mesmo que se revolta com a corrupção é o que defende um líder religioso pedindo R$1.000,00 em troca de bênçãos. A fé virou capitalismo. O dogma virou moeda. E o espetáculo da ilusão nunca termina, apenas se aprimora.

Fake news surgem como uma praga, preenchendo os vazios de uma população que desaprendeu a pensar. É mais fácil acreditar que há um complô contra a igreja do que admitir que estamos sendo feitos de idiotas por quem transformou Deus em plano de negócios. A extrema direita joga suas cartas, abraça o menino-pastor como um mártir e anuncia sua perseguição santa. Fatos não importam, apenas a narrativa que alimenta a máquina.

O Conselho Tutelar intervém. “Miguel precisa voltar para a escola!”, decretam, como se a educação fosse capaz de competir com a fortuna acumulada pelo teatro da fé. No Brasil, conhecimento é castigado, pensamento crítico é ridicularizado, e o progresso só existe na boca dos enganadores que lucram com a miséria.

Mas toda mentira se exaure. Toda farsa, um dia, colapsa. Só que aqui, quando tudo desmorona, quando o poço chega ao limite, não encontramos luz. Encontramos um novo mecanismo de opressão, um novo degrau para a submissão coletiva. E seguimos caindo, porque no Brasil, quando pensamos que chegamos ao fim, descobrimos que há sempre mais chão para cavar.

Do Brasil 247 

Compartilhe

Related Articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

- Advertisement -spot_img

Colunas

Coluna Zona Franca

Janja em Alagoas A primeira-dama Janja Lula da Silva esteve em Alagoas onde conheceu a Cooperativa Marisqueiras Mulheres Guerreiras, iniciativa apoiada pelo Governo do Estado...

Planalto e STF classificam relatório dos EUA sobre direitos humanos como “falso” e “ofensa” ao Brasil

Documento aponta supostas violações no Brasil, enquanto poupa Israel e El Salvador. Para autoridades, objetivo é defender Bolsonaro e blindar big techs O relatório mais...

Coluna Zona Franca

Roberto Kuppê (*) Trump quer guerra Ao que tudo indica, o presidente Trump está disposto a entrar literalmente em guerra contra o Brasil, além da tarifária....

Ego assassino

  Doença do século, o ego frágil assassina o gari. Esse homicídio qualificado em BH, praticado por um CEO preso na academia, para mim, indica um...

Coluna Zona Franca

Dono da Ultrafarma é preso O empresário Sidney Oliveira, dono e fundador da Ultrafarma, que se orgulha de ser o maior financiador da campanha de...