O começo do fim ou o fim do começo?

Por Ronald Pinto

Gene Sharp, teórico político e fundador da Instituição Albert Einstein, dedicou sua vida ao estudo de métodos não violentos para a derrubada de governos considerados autoritários. Seu trabalho mais influente, Da Ditadura à Democracia, funciona como um manual estratégico para a realização de revoluções suaves, que buscam minar a legitimidade de governos através da construção de narrativas que os caracterizam como opressores e ilegítimos. Quando aplicados às redes sociais, esses métodos ganham uma dimensão ainda mais poderosa, especialmente em um contexto de polarização política como o do Brasil.

Sharp propõe que a queda de governos autoritários pode ser alcançada por meio de estratégias não violentas, como a desobediência civil, a construção de narrativas e a mobilização popular. O objetivo central é corroer a legitimidade do governo, criando um ambiente em que a população passe a enxergar o regime como opressor. Para isso, é fundamental construir narrativas que ressoem com as insatisfações populares, amplificando-as e direcionando-as contra o governo.

Sharp também enfatiza o controle da informação e da comunicação como elementos essenciais desse processo. No mundo contemporâneo, as redes sociais tornaram-se o principal campo de batalha para a disseminação dessas narrativas. Plataformas como Twitter, Facebook, Whatsapp e Instagram permitem a rápida propagação de conteúdos, sejam eles verdadeiros ou falsos, criando bolhas de opinião que reforçam determinadas visões de mundo.

No Brasil, as redes sociais têm sido usadas estrategicamente para impulsionar a Revolução Suave. Algoritmos destas redes priorizam os conteúdos polêmicos e engajadores amplificando tudo o que possa gerar desgaste para o governo. Ao mesmo tempo, conteúdos favoráveis são filtrados ou marginalizados, construindo uma percepção de ampla rejeição popular.

Esse processo é sutil e meticulosamente planejado. Para evitar a acusação de censura, algumas postagens de defesa do governo são permitidas, mas em proporção mínima, criando a ilusão de neutralidade. O efeito cumulativo é a consolidação de uma narrativa dominante que enfraquece o governo e fortalece a oposição.

O impeachment de Dilma Rousseff em 2016 exemplifica o sucesso dessa estratégia. Na época, as redes sociais foram inundadas com narrativas que caracterizavam seu governo como autoritário, corrupto e incompetente. Movimentos como Fora Dilma e Movimento Brasil Livre emergiram e cresceram nesse contexto. A mídia tradicional amplificou essas narrativas, criando um ciclo de desinformação e deslegitimação. Embora Dilma não tenha sido pessoalmente acusada de corrupção, a narrativa de que seu governo era incompetente, autoritário e ilegítimo prevaleceu, levando à sua queda.

Atualmente, observa-se um processo semelhante em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Desde sua eleição em 2022, Lula tem sido alvo de uma campanha intensa de deslegitimação nas redes sociais. Narrativas que questionam a legitimidade da eleição e o associam à corrupção, ao autoritarismo e à incompetência são amplificadas, enquanto conteúdos que mostram as realizações de seu governo são marginalizados.

A estratégia permanece a mesma: consolidar uma percepção de ilegitimidade, incompetência e opressão, preparando o terreno para mobilizações populares e pressões institucionais. A polarização política no Brasil favorece esse processo, pois as redes sociais tendem a reforçar visões extremas, intensificando as tensões e conflitos.

O governo, no entanto, parece alheio a esse cenário. Enquanto foca em iniciativas como o programa “Pé de Meia”, as discussões de maior impacto sobre a insatisfação popular estão nos preços dos supermercados e combustíveis. Se continuar acreditando que a economia será o fator determinante da política na era da pós-verdade, pode ser surpreendido pelo retorno triunfal da extrema-direita ao poder.

Para reverter esse quadro, é essencial investir em educação digital e midiática, capacitando a população a identificar narrativas manipuladoras e buscar fontes confiáveis. Não por acaso, os donos das big techs estiveram presentes na posse de Trump, demonstrando sua influência na dinâmica política global. No entanto, em vez de avançar nessa direção, o governo brasileiro sancionou uma lei que proíbe o uso de celulares em sala de aula, alienando os jovens ao invés de capacitá-los para lidar com a era digital. Enquanto os estudantes ricos usam tablets para estudar, os pobres são proibidos de acessar informação por meio do celular.

Se o governo Lula permanecer indiferente a essa realidade, estará iniciando o fim do processo de reconstrução nacional que propôs. Mas, se compreender o que está em curso e formular políticas sólidas de comunicação — quem sabe até criando uma rede social educacional integrada às escolas — poderá transformar essa história no fim do começo de um novo golpe.

O começo do fim ou o fim do começo? A resposta está nas mãos do governo.

 

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