Por Urariano Mota *
Para situar o sinuoso agir do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, vale relembrar uma notícia de julho de 2025:
“Trump suspendeu os vistos de oito dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Inclusive o Procurador-Geral da República Paulo Gonet.”
Mais tarde, em 30 de julho, o presidente dos Estados Unidos utilizou a chamada Lei Magnitsky para sancionar diretamente Alexandre de Moraes. Todos os eventuais bens do ministro nos EUA foram bloqueados, assim como qualquer empresa ligada a ele. Moraes também passou a estar impedido de realizar transações com cidadãos e empresas norte-americanas — o que inclui, por exemplo, o uso de cartões de crédito com bandeira dos Estados Unidos.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, foi explícito: acusou o ministro de conduzir uma suposta “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Esses ataques levaram o ministro Flávio Dino a reagir:
“Minha solidariedade pessoal ao ministro Alexandre de Moraes. Ele está apenas fazendo o seu trabalho, de modo honesto e dedicado, conforme a Constituição do Brasil. E as suas decisões são julgadas e confirmadas pelo colegiado competente (Plenário ou 1ª Turma do STF).”
Ficaram de fora da lista de perseguição de Trump os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux. Os dois primeiros, indicados por Bolsonaro e fiéis ao golpista, estavam dentro do esperado. A ausência de Fux, no entanto, causa surpresa — ou talvez não. E, ao que tudo indica, o ministro se sentiu lisonjeado com o “reconhecimento” do governo estadunidense.
Mais escandaloso que a exclusão é o silêncio de Fux diante de tamanha desonra
No voto proferido por ele em 21 de julho de 2025, ao avaliar medidas cautelares contra Bolsonaro, afirmou:
“Verifico que a amplitude das medidas impostas (da tornozeleira a Bolsonaro) restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares.
Deveras, mesmo para a imposição de cautelares penais diversas da prisão, é indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos. À luz desses requisitos legais, não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas.”
Mas, quando se tratava de Lula, a régua foi outra.
Em setembro de 2018, quando o ex-presidente ainda estava preso, Fux censurou um pedido da Folha de S.Paulo para entrevistá-lo. A entrevista com a colunista Mônica Bergamo já havia sido autorizada pelo ministro Ricardo Lewandowski, mas foi vetada por Fux.
E então, num malabarismo retórico digno de nota, declarou que a liberdade de imprensa poderia ser “relativizada” e não deveria ser alçada a um “patamar absoluto incompatível com a multiplicidade de vetores fundamentais estabelecidos na Constituição”.
Um atestado moral digno de rubor.
Diante de tudo isso, lembrei-me da grandeza de Anton Tchekhov. Quando Máximo Gorki foi impedido pelo czar de assumir seu posto na Academia de Ciências, Tchekhov protestou e se demitiu. Claro que Trump não é o czar — embora se porte como tal. E tampouco os ministros do STF perseguidos são Gorki. Muito menos — longe de mim sugerir tal absurdo — Fux é Tchekhov.
Mas a comparação serve como referência de dignidade histórica.
Luiz Fux, ao que tudo indica, parece mais interessado em manter seu visto para visitar a Disneylândia do que em honrar a toga que veste. Em vez de se indignar com a agressão a seus colegas de Corte, silencia. E parece confortável com isso.
Vergonha é artigo que não se compra na feira.
* Urariano Mota, autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil
Do Brasil 247