A prisão deste sábado é o desfecho coerente de uma biografia que sempre flertou com a ilegalidade e a quebra de instituições
Neste sábado, 22 de novembro de 2025, a Polícia Federal cumpriu mandado do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e prendeu preventivamente o ex-presidente Jair Bolsonaro em sua residência em Brasília, removendo-o para uma acomodação da Polícia Federal.
A decisão, que não tem prazo definido, foi motivada pela violação de sua tornozeleira eletrônica e pelo alto risco de fuga, agravado pela convocação de uma vigília de apoiadores feita por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Este é o epílogo provisório de uma trajetória que, da insubordinação militar ao mais alto cargo da República, desaguou na condenação pela infame tentativa de golpe de Estado após a eleição de Lula em 2022.
A história de Bolsonaro é a crônica de uma vida dedicada à delinquência política. Tal trajetória, plena de momentos abjetos, foi igualmente marcada pela leniência das instituições que deveriam controlá-la. Essa impunidade encontra agora, finalmente, os freios da democracia.
A semente desse percurso foi plantada ainda durante sua vida militar. No ano de 1986, o então capitão Bolsonaro tornou-se conhecido do grande público ao ser preso após escrever um artigo para a revista Veja, sem conhecimento dos superiores, criticando os baixos salários dos militares. O episódio, porém, foi apenas o prenúncio.
Em 1987, a mesma revista revelou que Bolsonaro supostamente planejava detonar explosivos em unidades militares no Rio de Janeiro, como a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais e a adutora do Rio Guandu, num protesto radical. Ele negou a autoria, mas a publicação chegou a divulgar um desenho que teria sido feito por ele. O caso rendeu-lhe uma condenação em primeira instância, mas da qual foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar em 1988. Transferido para a reserva, deixou para trás uma carreira marcada pela insubordinação e ingressou na política, elegendo-se vereador do Rio de Janeiro em 1988.
Sua migração para o Parlamento não significou a adoção de uma conduta republicana. Pelo contrário, implicou num exercício constante de sabotagem da democracia a partir de suas instituições.
Como deputado federal por sete mandatos consecutivos, Bolsonaro firmou-se não como um legislador produtivo — nunca aprovou um projeto de lei relevante ou presidiu uma comissão —, mas como uma figura torpe, cujo nome ecoava nas manchetes principalmente por declarações que defendiam a tortura e assassinatos cometidos pela ditadura militar, além de proferir falas consideradas racistas e de ódio contra minorias. Era o político do baixo clero que vocalizava um conservadorismo agressivo e se alimentava do conflito.
Esse perfil, paradoxalmente, tornou-se sua alavanca. Aproveitando-se da onda do antipetismo sempre fomentada pela mídia hegemônica e amplificada pela Lava Jato e transformando-se em um fenômeno das redes sociais, ele lançou-se à Presidência em 2018 com um discurso antissistema, pró-armas e defensor, na fachada, de valores familiares, sendo eleito após um segundo turno contra Fernando Haddad.
Uma facada sofrida durante a campanha, da qual sobreviveu, foi atribuída por ele próprio como o momento crucial que alavancou sua candidatura. Seu governo, iniciado em 2019, caracterizou-se pelo desmonte de políticas públicas, pelo ataque aos órgãos de defesa do meio ambiente e pela promoção de um armamentismo descontrolado.
De forma ainda mais trágica, a gestão Bolsonaro foi marcada por uma resposta negacionista e criminosa à pandemia de COVID-19, na qual minimizou a doença, desestimulou a vacinação e promoveu tratamentos ineficazes, contribuindo para centenas de milhares de mortes evitáveis. Paralelamente, travou um conflito constante e sistemático com as instituições democráticas, em especial com o Supremo Tribunal Federal.
A derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 não veio acompanhada de uma transição pacífica. Pelo contrário, foi o gatilho para colocar em prática uma trama meticulosa para se manter no poder. Em setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, foi enfático ao afirmar que Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança do alto escalão do governo, formando o núcleo central de uma organização criminosa cuja maior consequência seria o retorno a uma ditadura no Brasil. A pena foi a consequência jurídica para os atos golpistas que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando hordas de seus apoiadores, incitados, invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
A prisão deste sábado, portanto, não é um evento isolado ou um acidente de percurso. Ela é o desfecho coerente de uma biografia que sempre flertou com a ilegalidade e a quebra de instituições, desde os tempos em que, fardado, planejava explodir quartéis. A ascensão de Jair Bolsonaro mostrou conhecidas fissuras e fraquezas da democracia.
Sua queda, ainda que tardia, registra avanços cruciais na afirmação das instituições. Antes de tudo, demonstra que o Brasil vive na vigência de uma Constituição democrática, de onde emana o poder. Respeitar a Carta Constitucional de 1988 é obrigação de todos. Sob a sua égide repousa o Estado Democrático de Direito. Por incrível que pareça, isso é tão novo que chega a ser revolucionário.
Até os mais poderosos podem ser chamados a responder por seus crimes. Como fica agora cristalino, a Justiça tardou, mas, enfim, chegou para o delinquente Jair Bolsonaro.




