Por Vinício Carrilho Martinez
- “Mas o povo não está interessado nas eleições, que é cavalo de Troia que aparece de quatro em quatro anos” [1].
Lendo assim, apenas esse recorte, podemos ter a impressão de que Carolina de Jesus pregava uma antipolítica. Entretanto, sua vida toda de resistência, insistência para viver, sobreviver, foi um dos mais belos e grandiosos atos políticos de nossa história social.
Quando se avalia a política oficial, institucional, poucos são os momentos em que os discursos, promessas, propostas inexequíveis (populistas, oportunistas) para o povo, não surtiram efeitos de um enfeitado Cavalo de Troia. É para isso que ela chama a nossa atenção: esqueçam o palavrório, o falatório – sempre vazios de significados populares – e olhem a realidade. Nem político, desse tipo profissionalizado, combate a fome do povo com papo furado.
Não lhe interessava, em nada lhe convinha, esse falar e não fazer, até porque o seu fazer era recolher papelão e metais velhos nas ruas de São Paulo, capital, vender e assim comprar algum alimento para os filhos. O seu fazer era driblar a fome, a morte; o seu dizer era de que isso não era humano, era injusto e indigente. O seu falar era pela dignidade humana; o seu fazer era uma luta diária contra a miséria e a “mentira política”.
O conceito que não aprendera na escola pública, porque sequer concluiu o ensino fundamental de hoje, lhe dizia no âmago de mulher negra, pobre e oprimida, e mãe, que a “vida é insolvível”. Não se compra a dignidade humana com um milheiro de tijolos, em ano eleitoral.
Essa questão mais política é fundamental, pois a lógica econômica, institucional, societal, de produção de Carolinas de Jesus nunca teve descanso no país. Quantas Carolinas de Jesus existem hoje no Brasil? Algumas até enriqueceram[2], a original, não.
Por fim, é sempre necessário recolocar a crítica ao sistema representativo, porque a baixa adesão e as críticas mais ácidas – muitas vezes retidas na fenomenologia, no senso comum dos fatos – são os principais indicadores da erosão da própria democracia. Com ironia excessiva (ou cinismo), tais avaliações raramente pertencem ao tempo do anúncio, da oferta de proposições alternativas e reparadoras ao sistema democrático como um todo. E quando isto ocorre, perdemos todos nós, toda a sociedade brasileira – a nossa história é cheia de situações, momentos assim.
[1] CAROLINA Maria de Jesus. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014, p. 43.
[2] https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2025/10/21/empresaria-lixao.htm. Acesso em 21/10/2025.



