Vinício Carrilho Martinez
Ao contrário da “bancária”, a educação problematizadora, respondendo à essência do ser da consciência, que é a sua intencionalidade, nega os comunicados e existencia a comunicação. Identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser consciência de, não apenas quando se intenciona a objetos, mas também quando se volta sobre si mesma […] Cisão em que a consciência é consciência de consciência […] Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos (Freire, 2022, p. 94 – grifo nosso)[1].
A hominização, o processo de formação da humanidade não é somente uma reunião de conhecimentos, saberes, técnicas, fabricações (apesar de serem essenciais), mas, sim, de uma somatória de tudo isso com a capacidade de pensar isso tudo: gnosiologia, epistemologia. “Quais são as condições em que se dá a construção do conhecimento” – os estágios do conhecimento por meio do próprio processo de construção desse mesmo conhecimento –, e fazendo-se uso do raciocínio lógico-dedutivo. Refere-se mais ao como, porém, a consciência sempre é preditiva dos fins, dos objetivos. Hoje, somos mergulhados e performados pela tecnologia, sem, no entanto, sabermos efetivamente que a técnica é que é embrionária, como origem e essencialidade do Humano, assim como a política.
Desse modo, a consciência, em si, não explica muito. Pode-se ter consciência do crime, do abuso e até de sua apologia. O criminoso contumaz tem consciência de seus atos. Uma vez que está ciente dos seus atos. Por isso é preciso uma “consciência da consciência”, ou seja, ser e estar ciente (pensar, refletir) sobre o que se faz. Todavia, isso também não é suficiente, pois, os psicopatas são conscientes dos seus atos e do engenho necessário para cometê-los: escolhem os meios os com precisão racional. A premeditação desses atos equivaleria a “serem conscientes do que fazem para realizarem suas intenções”. Os nazistas são um exemplo claro. A maioria desses tipos, inclusive, tem consciência da responsabilidade dos seus atos: o crime de pistolagem é um tipo desses, até porque esses indivíduos se orgulham dos feitos e se vangloriam nas confissões. O que nos leva a pensar que a “consciência da consciência, que sabe ser consciente” deve estar depositada no início do processo, no “como” se faz essa construção, e nos fins: nos porquês, nos objetivos. Não seria exatamente uma adequação entre meios e fins e sim uma previsão processual de como chegar a um resultado consensual e satisfatório.
A construção do processo de conhecimento da “consciência que é ciente de sua consciência” deve reunir metodologia (como fazer?), gnosiologia (em que condições se dá a cognição?), epistemologia (conhecimento construído para que?) e, o mais importante, a teleologia: o horizonte do humanismo, da dignidade humana. Daí a dificuldade em se transformar o senso comum em Bom Senso[2].
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.
[2] Fizemos uma ficha de leitura com base nesse texto de Paulo Freire, para uso na graduação, em licenciaturas. O espaço em branco sugere que cada um/a faça sua reflexão (Autoeducação).