(Por João Guató – Pasquim Cuiabano)
O The Guardian, jornalão britânico que não se vende por um café com pão de queijo no gabinete do governador, publicou em 13/08/25 uma matéria que fez Curitiba engasgar com seu capuccino gourmet: o deputado estadual Renato Freitas é, para a ‘capital europeia’ do Brasil, o que o alho é para o vampiro – presença insuportável e cheiro de perigo.
Renato não é só deputado. É negro, periférico, advogado, mestre em Direito e, o que mais irrita a aristocracia curitibana, tem cabelo ‘black power’ erguido como torre de resistência, usa camiseta de Malcolm X, bermuda, tênis e deixa o rap berrar nos fones como quem grita ‘tô aqui’ no plenário. No Guardian, resumiu o incômodo da elite com a delicadeza de um soco na boca:
‘Eu entro com tudo – e isso incomoda muita gente.’
A CURITIBA QUE ADORA UM BOI DE PINHÃO, MAS NÃO SUPORTA UM NEGRO DE PALANQUE
O Guardian abriu o baú: em 2016, Renato foi preso por ouvir rap alto. A PM, fiel à sua tradição de confundir cultura com contravenção, o espancou, humilhou e deixou nu no corredor da delegacia. Desde então, já foram 16 prisões. Nenhuma por roubo, corrupção ou estelionato – crimes preferidos de certos políticos ‘respeitáveis’ da província -, mas por contrariar o ‘dress code’ não escrito da cidade: branco, alinhado e calado.
PROCESSO, MEU AMOR
Na Assembleia Legislativa do Paraná, Renato coleciona tentativas de expulsão como político de centrão coleciona cargo comissionado. A última foi uma suspensão de 30 dias que durou menos que pastel de feira: a Justiça derrubou no mesmo dia, chamando a decisão de ‘equivocada’. Ainda assim, os colegas insistem no esporte olímpico local: caçar negro falante.
A DEMOCRACIA DE JARDIM BOTÂNICO
Curitiba adora posar de Londres tropical: ônibus pontual, jardim florido, feira orgânica e música clássica no parque. Mas basta um negro ocupar espaço de destaque pra cidade mostrar que, no fundo, é só mais uma metrópole com manual de etiqueta colonial. Querem progresso, mas sem misturar o salão com a senzala.
Renato não aceita o script e lembra: ‘É mais fácil ser presidente do Brasil do que prefeito de Curitiba.’
E, olhando o histórico da cidade, não é exagero – é estatística.
No fim das contas, o The Guardian fez o que boa parte da imprensa local não tem coragem (ou patrocinador que permita): mostrou que, atrás do cartão postal e do pinhão assado, existe um muro invisível pintado com a frase que Curitiba não admite em voz alta: ‘Negro aqui só se for pra servir o café.’