Por Ronald Pinto (*)
Quando os Estados Unidos abandonaram unilateralmente o padrão-ouro em 1971, rompendo com os acordos de Bretton Woods estabelecidos em 1944, confiaram na ideia de que o dólar, como moeda de reserva global, manteria seu valor mesmo sem lastro em ouro.
Por décadas, essa estratégia funcionou: o mundo continuou a utilizar o dólar como principal meio de troca internacional, permitindo que os EUA imprimissem dinheiro sem grandes pressões inflacionárias e financiassem déficits comerciais e gastos militares com relativa impunidade.
No entanto, o avanço das tecnologias de pagamento e a digitalização das transações globais estão corroendo essa hegemonia.
Sistemas financeiros modernos permitem agora o câmbio direto entre moedas, eliminando a necessidade do dólar como intermediário obrigatório. A moeda americana, que desde o fim do padrão-ouro funcionava como um mero vale de troca sustentado pela demanda internacional, começa a revelar sua verdadeira natureza: uma divisa sem lastro real, respaldada apenas pela confiança – cada vez mais frágil – no poderio econômico e militar dos EUA.
O Déficit Insustentável e a Crise do Império
Para sustentar sua máquina de guerra e financiar a chamada “defesa da liberdade” – na prática, a proteção dos interesses de suas corporações globais –, os EUA acumularam um déficit orçamentário astronômico. A emissão descontrolada de dólares, sem um crescimento proporcional da produção de riqueza real, criou uma bolha financeira que ameaça explodir.
Durante seu governo, Donald Trump tentou reverter essa situação com medidas desesperadas: impôs tarifas protecionistas, atacou acordos como o NAFTA e buscou repatriar a produção industrial – uma tarefa hercúlea após décadas de desindustrialização.
Paralelamente, pressionou os países da União Europeia a assumirem maiores custos com defesa, aliviando o fardo que hoje recai majoritariamente sobre os EUA, autoproclamados guardiões dos interesses do grande capital global.
Mas o desafio vai além da economia doméstica. A verdadeira ameaça à supremacia do dólar vem dos BRICS, bloco que hoje reúne mais de 40% da população mundial e uma fatia crescente do PIB global. A expansão desse grupo, com a criação de uma nova zona de livre comércio independente do dólar, representa um golpe fatal no sistema financeiro centrado em Washington. Nações como China, Rússia, Índia e Brasil já aceleram acordos comerciais em moedas locais, reduzindo a dependência das reservas em dólares.
O Fim do Privilégio Exorbitante e a Ascensão Multipolar
Sem a demanda artificial gerada pelo uso compulsório do dólar no comércio internacional, os EUA perderão a capacidade de simplesmente imprimir dinheiro para quitar suas dívidas. Serão obrigados a gerar riqueza real ou enfrentar uma desvalorização abrupta de sua moeda. O “privilégio exorbitante” usufruído desde Bretton Woods está com os dias contados.
Alguns analistas temem que, em um ato de desespero, os EUA provoquem conflitos geopolíticos para manter sua relevância. No entanto, o mundo já ingressou em uma ordem multipolar, na qual a cooperação econômica e diplomática entre potências emergentes limita a capacidade de Washington de ditar as regras do jogo.
A conclusão é inevitável: os EUA precisam se adaptar a essa nova realidade. O unilateralismo e a dependência de guerras e sanções para sustentar o dólar não são mais viáveis. Resta ao país reorganizar sua economia interna, investindo em produção e inovação, ou assistir a um declínio acelerado. O século XXI não será marcado por um império hegemônico, mas por uma rede de nações cooperando em pé de igualdade. A questão não é se os EUA aceitarão essa mudança, mas quando – e a que custo.
(*) Por Ronald Pinto é indígena Kaingáng e militante pelos Direitos dos Povos Indígenas