O metafísico na escolinha rumo a Nárnia

Quando o metafísico voltou a estudar ele se deparou com sérios problemas, pois a Academia de Ciências de Nárnia estava em vias de profunda reformulação ou extinção. Dizer que o metafísico “voltou a estudar” é uma licença poética, um malabarismo para que quem nos lê possa entender o sofrimento desse indivíduo. Porque, essencialmente, o metafísico não sabe conjugar o verbo “estudar” – apesar de emitir opiniões sobre tudo.

A primeira aula do metafísico, desse retorno de quem não foi pra aula, trazia uma profunda questão entre Ética e consciência – que sintetizamos aqui no conceito de Ciência senciente: uma Ciência consciente dos seus males. Mais à frente ficará bastante claro.

Pois bem, assim iniciou o professor do metafísico:

– É interessante lembrar que existem muitos animais sencientes e que apenas o ser humano é capaz de torturar, ridicularizar, massacrar outros animais, da mesma espécie ou de outras, por prazer ou lucro de algum tipo. Há ainda os abusadores de animais ou que se “sentem em paz” quando veem pessoas e animais vivendo na rua.

Por esse caminho, o sadismo se associa à psicopatia ou sociopatia e todas as suas variáveis de indiferença à dor, ao sofrimento, à angústia humana – como a fome, a miséria, o abandono, a indignidade humana. É o cinismo de todo gênero em pleno funcionamento.

Também é interessante lembrar de Umberto Eco quando nos avisava sobre a “invasão dos imbecis[1]”, além da “burrice solene” (Nelson Rodrigues e tantos outros) que está na soleira de cada porta ou na palma de cada mão ocupada por celulares plugados em redes antissociais e comediantes de si mesmas.

Ainda é interessante recobrar a lembrança sobre o fato de que senciente provém de Sentiens – sentir em latim. Isto é, para tipos como o metafísico, sentir a existência da dor do Outro simplesmente é impossível, ineficaz ou invariavelmente nulo. É esse o estágio de civilidade em que se encontram os indivíduos que “naturalizam” (normalizam) o fato de animais e de humanos viverem nas ruas, sofrerem, morrerem à mingua.

Nesta rua da amargura, os sencientes não são humanos, pois estamos despersonalizados, bestializados, “imbecilizados”, ao menos para o metafísico e sua maioria de seguidores, a tal ponto que lhes é inevitável sentir prazer com o desprazer do Outro.

Esses imbecilizados – no sentido de já terem se apartado da inteligência social – são incapacitados, inócuos, se lembrarmos que qualquer sociedade funcional necessita de seres sociais habilitados ao convívio social. O contrário da invasão dos imbecis estaria no revigoramento da capacidade senciente.

E ainda é curioso, interessante, lembrar que a Ciência depende disso ou se projeta em humanos sencientes – uma Ciência que vê as pessoas, a dignidade humana. Uma Ciência consciente é uma Ciência senciente, capaz de sentir e de priorizar os sentimentos e os sentidos que interessam à humanidade.

Quantos pseudocientistas se aplicaram no DOI-CODI da ditadura pós-1964? Quantos pseudo-médicos ainda se voluntariam para negar a pandemia do Coronavírus e a totalidade das vacinas? Quantos pseudocientistas das Ciências Humanas se dedicam a desacreditar a si mesmos, negando-se a ver o óbvio que despersonaliza a sociedade brasileira? Aliás, para esses em particular, o óbvio é tão ululante que sequer saberiam dizer que obviedades são essas que estamos escrevendo sobre a realidade brasileira.

E os “pseudocientistas juristas”, os antigos e os novos negacionistas da aceitação e cumprimento dos Direitos Humanos, dos direitos fundamentais? Esses nem sabem diferenciar as nomenclaturas que utilizamos e assim, alegremente imbecilizados pelo capital e pelas Fake News, negam e violam qualquer noção básica de Justiça Social.

Por fim, mas, não menos interessante, é super interessante vermos como crescem os pseudocientistas que agora nem precisam mais consultar o “Dr. Google” para emitir pareces médicos, sociais ou jurídicos. A imbecilização de que falou Umberto Eco se massificou, corre feito sangue nas artérias das redes antissociais.

Por último mesmo, não poderíamos esquecer dos “jovens pseudocientistas” que, além de imbecilizados, são também infantilizados – adoradores de joguinhos em todas as horas. Antigamente se dizia que carregam consigo um certo “kit babaca”, altamente conectado com todos os mundos fora da Terra e dos problemas reais.

Neste momento o professor do metafísico se encaminhou para o final da aula:

–Se o século XXI tem muitas coisas interessantes, é preciso lembrar, tem também essas tantas imbecilidades mais do que interessantes.

– Nosso planeta não será visitado e muito menos colonizado, porque há imbecis demais. Nenhum ser senciente os aguenta, o que dirá o navegante de algum lugar que não seja Nárnia.

[1] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/juca-kfouri/2024/08/23/humberto-eco-e-a-invasao-dos-imbecis.htm. Acesso em 24/08/2024.

Vinício Carrilho Martinez

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